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O JORNALISMO, TAL COMO APRENDEMOS A FAZÊ-LO, TALVEZ TENHA SE ACABADO NA ESTEIRA DOS PROTESTOS QUE SACUDIRAM O BRASIL

Por Paulo Araújo

Houve um tempo, não muito distante no nosso calendário, em que as pessoas assinavam jornais, revistas, escutavam programas de rádio e esperavam o noticiário na TV, num horário regular, para se inteirar dos acontecimentos. Tudo isso era tão natural quanto a noite vir em seguida ao pôr do sol.

Tratava-se de uma época em que as notícias eram produzidas por profissionais chamados jornalistas. Esse sujeitos eram pessoas que, numa determinada altura da vida, descobriam-se apaixonados por leitura, escrita, cinema, música, teatro, futebol, ciência, informação e resolviam que era aquilo que queriam fazer para o resto da vida.

Então, ingressavam numa universidade para estudar a comunicação nos seus mais variados aspectos, especialmente aquele que dizia respeito à etica, a verdade, ao rigor e, principalmente, ao caráter social da atividade. Alguns poucos entendiam que também se tratava de uma atividade comercial que, como todas as outras, tem no lucro seu leitmotiv.

Faziam isso geralmente orientados por professores que, por sua vez, tornavam-se profissionais numa época em que não era preciso “se formar”. Era a prática que produzia mestres. Alguns, excelentes mestres. Outros, medíocres como o tipo de notícia que em alguma atura da vida produziram. Uns terceiros, ainda, que nunca exceram a profissão. Viveram só na academia. E desses ninguém tem lembranças, certamente, de tão fora de contexto que foram os seus ensinamentos.

A tudo isso, caro leitor, dava-se o nome de Jornalismo. Uma atividade que sempre foi uma profissão romântica, realizada entre redações e bares, redações e festas, redações e palácios, redações e países em guerra, redações e estádios de futebol, redações e pessoas interessantes. Só para ficar num contexto geral.

A maioria dos que fizeram do jornalismo uma profissão se sentiam seres especiais, até pela possibilidade de, dia sim outros também, entrevistar governantes, celebridades, bandidos, enfim, quem interessava no momento. No desvio de personalidade que desde sempre possuíam e, ao exercer o jornalismo, amplificaram-na ao extremo, també passaram a fazer da arrogância uma marca registrada no caráter.

O papel social da profissão que escolheram, por seu turno, era uma nota de rodapé no seu dia-a-dia e na “acolhida”que faziam aos recém-chegados as redações. Nada mais equivocado. Bastava uma demissão (fenômeno cada vez mais comum nas empresas de comunicação, apesar da “vigilância” dos sindicatos) e a descoberta de que representavam uma instituição – e sozinhos não valiam quase nada – para aprender como dói a chamada “solidão do vídeo”, a “lacuna no expediente”, a “ausência do crédito”.

Ao contrário do corporativismo saudável existente entre médicos, padres, carpinteiros, politicos, padeiros e na profissão mais antiga do mundo, os jornalistas somos, antes de mais nada, seres que acreditam se bastar por si. Daí o valor do piso salarial que recebem, do descrédito pela qual a profissão passa e muitos fingem não existir e, mais chocante, do sumiço do que os que passam dos 40 nas redações, tal qual os patos do Central Park no inverno.
São raros os jornalistas de cabelas grisalhos em atividade no Brasil, exatamente no auge da capacidade intelectual das suas carreiras. É como se a profissão se alimentasse do novo, eternamente. Ao contrário de todas as demais, ressalte-se.

Aí o mundo passou por uma revolução sem precedentes no tocante às comunicações. E o jornalismo, talvez com a errônea convicção de que o mundo girava ao seu redor, ou que sempre teve o comando de tudo ao noticiar esse tudo, não se preparou para ela.

Estamos falando, claro, da popularização da internet em todo mundo, amplificada exponencialmente com a explosão das vendas dos smartphones, aparelhinhos de telefone que coloca – e permite que lá sejam colocados, também – todos os acontecimentos do planeta, literalmente, na palma da mão de qualquer pessoa.

Talvez a última grande revolução nessa área tenha ocorrido quando a modernização das ligações telefônicas extinguiu, para sempre, o trabalho das telefonistas – moças que ficavam dioturnamente conectando cabos em orifícios para completar as chamadas entre dois usuários. A figura da telefonista era fundamental na operação. E acabou-se.

E é essa metáfora que precisamos guardar para entender porque o jornalismo, tal qual o conhecemos e aprendemos a fazê-lo nas universidades, acabou-se também.

Para quê solicitar uma ligação se eu próprio posso fazê-la?

Foi, em certa medida, o que aconteceu com a produção de notícias ao redor do mundo nos últimos anos.

Assim pensa cada vez mais o cidadão, para desespero dos donos das empresas de comunicação e, por tabela, os jornalistas: para que eu vou assinar um jornal (que me trará amanhã notícias sobre as quais eu tomei conhecimento no momento em que ocorreram), uma revista (que demorará uma semana, quinze dias ou um mês para fazer o mesmo, com a varirável de que fará uma “reflexão aprofundada” do tema) se eu mesmo posso ser o autor dessa notícia, seja num blog, numa rede social, ou nos comunicadores instantâneos de mensagens telefônicas?

Vamos pensar juntos: quão rara tem sido a cena de ver alguém lendo um jornal impresso ou uma revista de papel? Os adolescentes fazem isso? Como reproduzir aquela cena, durante o café da manhã, em que a leitura nesse tipo de plataforma fazia companhia ao pão, ao leite e ao café fumegante? Pilhas e pilhas de exemplares de jornais acumulam-se nas bancas no final do dia. Gráficas passam por crises. Nunca mais ouviu-se falar do fantasma da falta de papel no país. Isso são fatos, não especulacões.

Por quem a informação tem sido produzida? Como o jornalismo pode tornar-se rentável para quem ainda se arrisca a praticá-lo nos moldes de cinco, três anos atrás? Essas perguntas tem tirado o sono de muita gente, especialmente dos que estão à frente dos grandes conglomerados de mídia – impressa, televisiva e, agora, on line.

A massa gigante de leitores, que antes consumia com avidez e dava lucro aos negócios, talvez tenha se cansado do modelo criado há dois séculos. O mesmo aconeceu com a publicidade, que descobriu que um tablet não passa de mão em mão como uma revista ou um jornal. Ele é único, pessoal, intrasferível, quase egoísta. Para quê, então, acreditar naquela tabela do passado?

Ela, a massa, criou para si um conjunto de estratégias para manter-se sempre e bem informada (hábito que, esse sim, nunca vai se acabar) que passa principalmente pela “escalação” de “pessoas comuns” que produzem notícias, a qualquer hora, em qualquer lugar, para produzir informações. De qualquer forma. Estamos falando do poder das timelines.

O fenômeno social presente hoje em todas as rodas de amigos (quando cada um porta o seu smartphone e fica, rodeado de amigos, mas solitário em seu mundo, e depois em casa sozinho, mas rodeado de amigos) nada mais é do que a curiosidade natural do ser humano de sempre se manter informado sobre tudo, a todo momento.

Criar um modelo de negócios baseado nesse hábito tem se mostrado cada vez mais difícil – mas não impossível – como veremos daqui a alguns anos.
Por exemplo: não há mais um só programa de TV que seja assistido sem o acompanhamento crítico das redes sociais, no exato momento em que ele se desenrola. As críticas, feitas por consumidores que até poucos dias eram apenas receptores, já serviram de norte para mudanças de muitas atrações que nasceram fadadas ao fracasso. Isso quando a postura de quem comanda os programas percebe e admite que o mundo mudou.

O mesmo acontece com o rádio, outro veículo extremamente dinâmico que, dado o estrangulamento do trânsito em quase todas as cidades do Brasil, volta a ocupar cada vez mais o lugar de destaque que teve no passado. A rádio escuta, que era feita por dois ou três profissionais em alguns pontos da cidade, hoje é exercida por todos os integrantes da timeline dos smartphones, num fenômeno sem paralelo na história de interatividade.

Ao fim e ao cabo, as audiências dos programas de TV despencam vertigionsamente, as assinaturas de jornais e revistas sofrem baixas gigantescas (e a maior justificativa para a não renovação é o fato de que o dono da assinatura faleceu e os outros membros da família não se interessam pela publicação de papel) e a festa não tem hora para terminar em locais como o Facebook e o Instagram. O Orkut foi o primeiro ensaio e algo de novo no reino da interação popular digital deve estar pipocando em breve na internet. O Brasil, como sempre, dá um jeito de deixá-los verde e amarelo.

E o jornalismo, objeto de discussão no começo desse texto? Está vendo a banda passar, como diz a canção. Isso é ruim para as “instituições constutuídas”, para a “democracia” e para a “liberdade de expressão”? Sinceramente, eu não sei responder, principalmente depois das manifestações que sacudiram o Brasil nos últimos trinta dias.

O jornalismo “tradicional”, tal como citado lá no primeiro parágrafo, perdeu completamente o “timing”, o faro para ouvir as vozes roucas das ruas, e perceber o que acontecia entre os cidadãos na sua forma de “receber” e “produzir” informações de forma “paralela” nas redes sociais. Os protestos foram marcados, aconteceram e só quando ganharam a dimensão imensurável do presente, ferindo literamente a própria imprensa até com tiros, ganharam o lugar de destaque que, concordemos, em outras épocas não demoraria tanto para acontecer.

Isso porque, ressalte-se, os mundos paralelos do velho e do novo “jornalismo” (feito por qualquer um) separaram-se para sempre. Quem produziu, participou e orgulhou-se dos protestos passou a ver com olhos cada vez mais enviezados a “demora” e, em alguns casos, a tentativa de manipulação das passeatas. Ficou feio, horrível, até mesmo vergonhoso para a “velha mídia” o que era dito e o que corria solto, sem amarrasa, na web.

Nossa “Primavera Árabe” trouxe, para além do choque de realidade de quem não conhecia a crise geral em que está atolado o país, a certeza de que, definitivamente, o Mundo Velho acabou. Para sempre. A começar pelo jornalismo tal qual aprendemos a fazer. E, quem souber da nova maneira, por favor “compartilhar”.

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