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27 de novembro às 07:25

Viver para pintar

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A trajetória de Demetrius Montenegro, artista autodidata que fez do litoral um refúgio especial para pintar o Agreste, suas gentes, seus hábitos e suas cores


Texto: Paulo Araújo

Foto: Gabriel Dias

 

A biografia de Demetrius Montenegro pode muito bem rivalizar com sua própia criação pictórica. Ela começa com uma história digna da pena de Gabriel García Marquez e do realismo mágico latino-americano na cidade potiguar de Nova Cruz, há 33 anos. Até hoje, comenta-se por lá que quando a mãe de Demetrius estava grávida, com um barrigão pesado de seis meses, sentiu uma força estranha acompanhada de uma vontade inexplicável de pintar, mesmo sem nunca tê-lo feito. O impulso incontrolável fê-la juntar pincéis e tintas e colorir todo o enxoval do futuro pintor em menos de um mês.

 

Sua infância foi marcada pelo “exotismo” de morar no Agestre potiguar – região que nem é o Sertão, com suas paisagem áridas e quentes, nem o Litoral, zona aprazível onde está a fartura da água do mar. O Agreste é a própria alma de Demetrius: insondável. Vida ao ar livre, brincadeiras junto à natureza, banhos de rio, contemplação da natureza: este é o mundo primitivo que ele tanto ama e de onde tira constantemente inspiração para desenhar e pintar, mesmo estando há seis anos à beira do mar de Pipa.

 

O contato com as obras de pintores clássicos que também viram e retrataram com pincéis um mundo repleto de elementos da natureza foi fundamental para definição do estilo de Demetrius. Da galeria de “afetos” pessoais fazem parte o italiano Giovanni da Fiesoli – mais conhecido como Fra Angélico, que entre o final do Gótico Tardio e começo do Renascimento nos legou obras sublimes como “A Anunciação” –, o holandês Vicent Van Gogh e seus campos de girassóis ensolarados e, ídolo dos ídolos, o francês Paul Gaugin, este último também perseguidor da luz pictórica que recobria os habitantes dos mares do sul na Polinésia Francesa.

 

É curioso notar, também, que Demetrius sacrificou família e dinheiro em busca dos seus objetivos pictóricos,como fizeram muitos dos seus mestres ao longo da história da arte. Desde cedo, o “pintor de fim de semana” ouviu palavras de desistímulo, mas fez delas o leitmotiv para, como gosta de reforçar, “viver para pintar”. Filho de professores, tornou-se policial militar – um universo onde, imagina-se, não há lugar para almas sensíveis – e hoje concilia a atividade com tintas, telas e solventes neste charmoso ateliê, não por acaso instalado na Rua do Céu, em Pipa.

 

Ao longo desse curto período “oficial de carreira, Demetrius já produziu mais de 120 quadros – a maioria adquirido por estrangeiros que frequentam a praia. Ele calcula que suas telas, retratando o agreste potiguar, sua gente e suas cores já enfeitam paredes em aproximadamente 10 países na Europa. “Filhos eternos”, lembra. Ao jogarmos uma lupa sobre essa sensível produção, notaremos elementos recorrentes na maioria das telas. O mais frequentes são os vasos (que em alguns momentos aparecem representado a magia do Oriente, como na tela Das Arábias, e noutros são puro mistério, como n’O Tocador de Pífanos). A inspiração? Um velho pote de barro utilizado por sua vó para guardar água potável em Nova Cruz e onde o menino sempre via, encantado, pequenas rãs se refugirarem do calor na parte mais escura do utensílio indígena.

 

Movido pela cor, que são várias na palheta de Demetrius, as telas explodem principalmente em azul, amarelo e vermelho. O azul do mar de Pipa serve apenas de inspiração para, tal qual o auxílio luxuso de um pandeiro num samba, eleva aos céus um Ícaro balofo que tentar voar utilizando um guarda-chuva. Como, de novo, o menino Demetrius tentou fazer um dia em Nova Cruz. O amarelo que explode num conjunto de girassóis serve de cama flutante para um casal de amantes. E o vermelho, uma das marcas registradas do pintor, marca de carmim os cajus, talvez a fruta mais suculenta e erótica do Agreste.

 

Mas nada pode ser mais encantador do que as telas que retratam as festas no interior, os pequenos cabarés, as mulheres lânguidas e os malandros sestreiros, os vaqueiros, os retirantes que fogem da seca rumo para não se sabe onde, o universo colorido e alegre do circo, os jogadores de peladas que espreitam mulheres peladas por cima do muro e o mundo ingênuo das crianças – talvez o mesmo mundo do próprio pintor que agora se revela aqui para você em cor, em verso, em vida, em força, em luz.

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